sexta-feira, 24 de junho de 2011

Trafaria (1): Ermida de Nossa Senhora da Conceição





Hoje falo de um marco do património local do Concelho de Almada que tem trazido sempre muitas interrogações a todos quantos passam pela vila da Trafaria, trata-se da Ermida de N.ª Sr.ª da Conceição, localizada na zona a nascente da via de acesso ao cais de embarque, e que foi edificada em 1751 pelo Padre José Duarte da Silva, Beneficiado da Patriarcal de Lisboa, que aqui tinha uma quinta com casas nobres, horta e pomar, terras de pão e vinhas.

Segundo o Conde dos Arcos em «Caparica através do Séculos» (1972) terá sido neste local a antiga quinta da Ladeira, sede de um Morgado fundado por Gaspar da Rua Magriço, em que sucedeu Domingos Ribeiro Cyrne (era então a Trafaria um sítio do lugar de Murfacém) e que depois foi aforada ao referido Padre José Duarte.

Foi aliás nas terras de Gaspar da Rua que em 1565 o «Cardeal D. Henrique, em nome de D. Sebastião, ordena a criação de um local (…) para a quarentena das tripulações dos navios provenientes dos locais afectados pela peste» e que mais tarde veio dar origem ao Lazareto do Porto de Belém depois chamada Presídio da Trafaria.

Antes da fundação desta capela era na Ermida do Lazareto (dedicada a N.S. da Saúde) edificada em 1678 por iniciativa de D. Diogo de Faro (Provedor-mór da Saúde da Câmara Municipal de Lisboa) que o povo da Trafaria assistia às celebrações religiosas.

Nas obras de reedificação do Lazareto do século XVIII (1743) pelo arquitecto Carlos Mardel o acesso à Ermida do Lazareto foi murado, e assim ficaram os moradores da Trafaria sem local de culto, neste sentido os Mestres das Embarcações do Pescado do Porto da Trafaria juntaram-se e em 1747 obtiveram licença do Cardeal Patriarca de Lisboa para poderem edificar uma nova ermida fora das muralhas do Lazareto e na qual já tinham o compromisso de um dos Padres do Convento dos Capuchos em lhes dar graciosamente assistência espiritual.

(Arquitecto Carlos Mardel. Quadro a óleo sobre tela, s.d.)
Fonte: http://oeirascomhistoria.blogspot.com/2011/05/carlos-mardel.html

Certamente pelas dificuldades do povo da Trafaria em levantarem a tal ermida ou em encontrarem o sítio adequado, para o mesmo tomou o Padre José Duarte a iniciativa de edificar uma Capela pública na sua quinta da Trafaria, dedicando-a a Nossa Senhora da Conceição. Por iniciativa do mesmo clérigo congregaram-se os moradores da Trafaria numa Irmandade do mesmo título da Ermida para com as esmolas dos seus irmãos se poder sustentar um capelão que ali dissesse missa aos domingos e dias santos, e assim funcionou como o principal templo do lugar até ao princípio do século XIX, pois nele se encontrava o «Santíssimo Sacramento» e aí eram publicados em 1798 os Editais do Tribunal da Inquisição.


(Pormenor do portal da Ermida, num estilo já próximo do pombalino, risco de Carlos Mardel ???)

Segundo um documento que consultámos no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, no Expediente da Vigararia de Almada, a ermida ficou totalmente arruinada num incêndio em 1811, «sem que se pudesse salvar cousa alguma» e em 1827 ainda se encontrava na mesma ruína, tendo sido recuperada pouco depois.

Voltou no entanto  a ser vítima de novo incêndio em 1835 segundo Duarte Joaquim Vieira Jr. (Vila e Termo de Almada, 1897, p. 199) ou 1833 segundo o Conde dos Arcos («Relação dos Templos e Caparica», Boletim Cultural da Junta de Província da Estremadura, n.º 10, 1945,  p. 350), que nos indica também pertencia então (em 1945) a João Baptista Danino que a herdara dos avós e que a imagem da padroeira da Capela (de que o Padre José Duarte da Silva tinha muita devoção) estava desde o incêndio de 1833 na Igreja de S. Pedro da Trafaria.



(Imagem de N.ª Sr.ª da Conceição, hoje na Igreja de S. Pedro da Trafaria)


("Velha Torre - Trafaria", Aguarela de Manuel Tavares datada de 1955)
Publicada na capa de Almada na História, n.º 17-18 e por Diamantino Vasconcelos em http://galeria-lambertini.blogspot.com/2011/02/ermida-de-n-s-da-conceicao-trafaria-por.html

RUI M. MENDES
4 de Junho de 2011


Fontes:
(1565) AML-AH, Provimento de Saúde, Livro I de Provimento de Saúde, doc. 114 (antigo 117)
(1678) AML-AH, Chancelaria Régia, Livro V de Consultas e Decretos de D. Pedro II, f. 301 a 302
(1743) AML-AH, Chancelaria Régia, Livro XV de Consultas e Decretos de D. João V, do Senado Ocidental, f. 91 a 94
(1747) DGARQ-TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa, M.1809, n.312
(1751) DGARQ-TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa, M.1810, n.260
(1798) DGARQ-TT, TSO, Inquisição de Lisboa, M.63, n.3, #25
Bibliografia:
MENDES, Rui, "Património religioso de Almada e Seixal: Ensaio sobre a sua história no séc. XVIII", Anais de Almada, Nº 11-12, 2010, pp. 67-138



3 comentários:

  1. Óptimo espaço. Também sou aqui da zona, e vou observando o que por aqui se passa. Como me dedico a várias temáticas, não me tem sobrado tempo para fotografar o que de belo e abandonado há por aí, e porque tenho um pouco de medo andar sozinha a fazê-lo. Já agora quero divulgar um projecto muito interessante que conheço já algum tempo-

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  2. é este o espaço Ruin´ art project
    https://www.facebook.com/profile.php?id=100000809865148

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  3. Trata-se de um Projecto muito interessante do meu amigo Gastão e que merece ser visito e acarinhado pois como eu digo o que ele e faz é «arte com uma mensagem política», ou seja alertar o que de belo e importante nós temos no nosso património, mas que infelizmente se encontra abandonado ... como é o caso desta Ermida da Trafaria, aliás este meu artigo baseou-se em parte num comentário que já havia publicado em:
    http://ruinarte.blogspot.com/2009/12/ermida-nossa-senhora-da-conceicao.html

    Obrigado,
    Rui M. Mendes

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