Introdução
A Vila da Charneca de Caparica é uma das povoações do Concelho de Almada
cujo povoamento é mais recente, pois apesar de alguns núcleos ligados à
actividade piscatória e de exploração mineira que terão existido nas zonas da
Adiça e Fonte da Telha (próximas mas fora dos limites da freguesia), os
primeiros registos de uma fixação humana mais permanente datam já da segunda
metade do século XVII estando ligados à actividade pastorícia e florestal (p.
ex. sangradores e couteiros).
De facto até ao século XVII toda a região seria constituída na sua quase
totalidade por extensas áreas de vegetação silvestre e pinhais, como o Pinhal
de Cavala, o Pinhal da Aroeira, o Pinhal de Val de Figueira, ou a Mata dos
Medos.
Ao povoamento tardio fruto de uma menor valia agrícola dos seus terrenos,
acaba por corresponder uma menor diversidade e antiguidade dos seus elementos
patrimoniais, quer se tratem de casas e quintas, de igrejas e capelas, ou de
outros elementos como moinhos, fontes, etc., e os que existem, ou estão em mau
estado de conservação, ou, como no caso do Cruzeiro dos 40 Mártires, em vias de
desaparecer!
Assim, aquilo que noutras localidades mais ricas em vestígios patrimoniais
é importante, em localidades como a Charneca de Caparica é essencial, que é a
descoberta e valorização de todos os elementos e vestígios históricos, assim
dos mais antigos como dos mais recentes, e que constituíram a herança
patrimonial das gerações futuras.
Falando especificamente da Aroeira, que escolhi para este 2.º post por se
tratar um dos lugares mais recentemente urbanizados do território da Freguesia
e Vila da Charneca de Caparica, uma visita à zona rapidamente nos transmite,
pela análise da arquitectura local, que se trata de um lugar urbanizado há
pouco mais de 30-40 anos. Esta urbanização ocupou uma vasta área a sul das
Quintinhas, nos chamados Pinhal de Valbom e Pinhal da Aroeira. Trata-se pois de
um lugar que à primeira vista está desprovido de elementos históricos e
patrimoniais, no entanto numa visita mais cuidada encontramos alguns edifícios
recentes com algum interesse arquitectónico e urbanístico, e procurando nos
arquivos e cartografia antiga encontramos ainda pistas sobre outros elementos
prévios à urbanização do lugar e que merecem ser conhecidos, investigados e
quem sabe redescobertos!
O Casal da Aroeira e a história da sua Capela
(Localização e Fotos aéreas da actual «Casa da Aroeira», foto Bing Maps) [1.ª Rev.]
Das esparsas edificações que existiram até ao século XX na zona da Aroeira,
a de que temos a notícia mais antiga é o «Casal da Aroeira», ou «do Arneiro», a
qual deveria corresponder à actual «Casa da Aroeira», situada entre o Pinhal da
Aroeira e o Pinhal do Arneiro, e registada na cartografia do século XIX e XX.
Documentada no século XVII, esta propriedade aparece na cartografia até aos
anos 60-70 do séc. XX e ainda hoje existe uma propriedade chamada do Pinhal da
«Casa da Aroeira» ou «do Inglês» como também é conhecida, situada entre a
Urbanização da Aroeira e a estrada de acesso à Fonte da Telha, e onde se
encontra uma antiga residência originária já da 1.ª metade do século XX. [ 1.ª Rev.]
Encontramos pelo menos 3 registos do século XVII sobre o Casal da Aroeira,
dois que se encontram transcritos nos Livros da Câmara Eclesiástica de Lisboa e
um citado no Index das notas de vários tabeliães de Lisboa, entre os
anos de 1580 e 1747 (obra em 4 tomos com extractos de escrituras
coligidos por Luiz Montez Matoso).
Os documentos da Câmara Eclesiástica referem que em 1657, o Padre
António Soares de Albergaria (1581, Castelo Branco - + 1662 c.,
Almada, ver apontamentos biográficos no post «Figuras de Almada (2): Padre António Soares de Albergaria,
Historiador e Heraldista») tinha edificado no seu Casal da
Aroeira, na freguesia de Nossa Senhora do Monte de Caparica, termo da vila
de Almada, uma Ermida ou Capela dedicada a Jesus,
Maria e José, a Sagrada Família.
Na sequência da edificação da Capela o Padre António Soares de Albergaria
apresentou uma petição ao Cabido da Sé de Lisboa para se lhe conceder Licença
para nela se celebrar Missa como Ermida pública, o que lhe foi concedido por
uma Provisão dada em Lisboa, a 11 de Julho de 1657 e registada à folha
294, do Livro IX de Registo da Câmara (cfr. Arquivo Histórico do Patriarcado de
Lisboa, U.I. 317, ff. 294-294v), com o seguinte sumário:
«Provisão de Licença ao Padre António Soares de Albergaria, para se dizer Missa
na Ermida de Jesus, Maria e José, que edificou junto das casas da sua quinta do
Casal da Amoreira (sic), na freguesia de Nossa Senhora do Monte de Caparica,
termo da vila de Almada».
No mesmo livro na folha 294v, regista-se ainda a Escritura de Dote
para a constituição da fábrica da Ermida, que era uma das condições necessárias
para obter a referida licença, as outras eram ter acesso público e estar
decentemente fabricada e com todos ornamentos necessários para a celebração do
culto religioso. Na Escritura, feita em 5 de Junho de 1657 por Manuel Medeiros
Caldeirão (Tabelião público da vila de Almada), o Padre António Soares de
Albergaria, Clérigo do Hábito de S. Pedro, vincula 3$000 réis anuais dos seus
rendimentos para a referida fábrica da «Ermida de Jesus, Maria e José, que
tinha edificado no seu Casal chamado da Roera, no termo da vila de Almada».
É curioso verificar que esta Ermida ou Capela originária de 1657, não
aparece posteriormente referida, nem em Corografias e Dicionários
Geográficos do século XVIII, nem nas Memórias Paroquiais da Caparica
de 1758, tal pode indicar que a mesma, ou pela sua localização remota e
certamente isolada, ou por uma existência efémera, poderá ter sido pouco
conhecida à época.
De facto logo passado 5 anos da fundação da Capela, em 1662, o Casal da
Aroeira (então chamado «Casal do Arneiro»), era aforado pelos herdeiros do
Padre António Soares de Albergaria, Manuel Soares de Albergaria, seu sobrinho,
e respectiva mulher D. Joana Brandoa (moradores em Lisboa, na rua dos Galegos),
a um tal Bartolomeu Rodrigues, conforme se regista numa Escritura de aforamento
de 7 de Novembro de 1662, nas notas de Gaspar Cardoso, tabelião em Lisboa (Index
de Notas de Vários Tabeliães de Lisboa, T. IV, p. 71).
Da documentação recolhida não foi possível determinar qual o destino desta
propriedade, existem no entanto algumas pistas:
Em 1700 um dos pinhais que confrontava com a Quinta da Charneca de Luís de
Sousa Valdez (depois Quinta de Cima de Feliciano Velho) era o Pinhal de D.
Fernando de Almeida, tio do 3.º Conde de Assumar/1.º Marquês de Alorna.
Em 1814/1816 é referido que o Pinhal da Aroeira fora confiscado ao Marquês
de Alorna.
Tudo parece pois indicar que o Casal e Pinhal da Aroeira tenham sido
adquiridos no último quartel do século XVII por D. Fernando de Almeida tendo
depois passado à posse da Casa de Alorna.
Entretanto (depois da 1.ª edição deste artigo) foi possível confirmar na
Lista dos Fregueses de N:ª Sr.ª do Monte de Caparica no ano de 1745, que o Casal
da Aroeira pertencia ao já referido Conde de Assumar, residindo nele 6 pessoas,
um casal, três criados, e um mateiro. [2.ª Rev.]
Segundo apurámos junto do Sr. Salgueiro (actual caseiro do Pinhal da Casa
da Aroeira, ou Pinhal do Inglês), já no século XX o Pinhal e a Casa da Aroeira
entram na posse de um senhor inglês de nome Alfred Sindley (?), estando
actualmente na posse do seu filho, terá sido este Sr. Alfred Sindley
responsável pela actual Casa da Aroeira, uma residência simples da primeira
metade do séc. XX, que de acordo com o Sr. Salgueiro não terá mais de 60-70
anos, o que faria com que tivesse sido construída por volta dos anos 4o do
século XX. [ 1.ª Rev.].
Em 1972 o Pinhal da Aroeira era pertença de Alda Maria do Rosário Harriet da Silveira Bulloch e fazia extrema a norte com as Quintinhas, a nascente com Valbom, a sul com o Pinhal do Arneiro dos herdeiros de Domingos de Sousa e Holstein Beck, e a poente com o Pinhal dos Medos da Direcção Geral dos Serviços Florestais, conforme se depreende do Decreto n.º 213/72 de 26 de Junho. Este Decreto clarifica os limites administrativos entre os concelhos de Almada e Seixal, determinando que a extrema entre os dois concelhos seja estabelecida pela extrema entre o Pinhal da Aroeira e o Pinhal do Arneiro [3.ª Rev.].
(vd. http://www.igeo.pt/produtos/cadastro/caop/download/DO/Decreto_213_72.pdf)
Em 1972 o Pinhal da Aroeira era pertença de Alda Maria do Rosário Harriet da Silveira Bulloch e fazia extrema a norte com as Quintinhas, a nascente com Valbom, a sul com o Pinhal do Arneiro dos herdeiros de Domingos de Sousa e Holstein Beck, e a poente com o Pinhal dos Medos da Direcção Geral dos Serviços Florestais, conforme se depreende do Decreto n.º 213/72 de 26 de Junho. Este Decreto clarifica os limites administrativos entre os concelhos de Almada e Seixal, determinando que a extrema entre os dois concelhos seja estabelecida pela extrema entre o Pinhal da Aroeira e o Pinhal do Arneiro [3.ª Rev.].
(vd. http://www.igeo.pt/produtos/cadastro/caop/download/DO/Decreto_213_72.pdf)
É no entanto é inequívoco que a cartografia mais antiga refere esta «Casa
da Aroeira», como na Carta Militar do Barreiro 1:25.000, de 1939 (IGEOE) ou
a Carta dos Arredores de Lisboa 1:20.000, de 1904 (IGEOE). Aliás
numa Carta mais antiga a «Carte chorographique des environs de Lisbonne»,
datada de 1821, encontramos também registada uma casa, casal ou quinta da
«Arueira», e mais curioso ainda é que próximo deste sítio, em pleno Pinhal
dos Medos, no Medo do Pinhal Manço, cerca do sítio anteriormente referido como
«Casa de Pau», e por alturas do sítio chamado da Adiça (que poderá corresponder
às antigas Minas de Ouro que por aqui existiram da Idade Média até ao século
XVII), há um registo de uma Igreja ou Capela, seria a tal Capela de Jesus Maria
José, fundada pelo Padre António Soares de Albergaria no século XVII, não
sabemos ... [ 1.ª Rev.]
(Uma Capela ? e o Casal da Aroeira, registados num Mapa de
1821: «Carte chorographique des environs de Lisbonne»,
Cfr. http://purl.pt/16986) [ 1.ª Rev.]
Outros Elementos patrimoniais antigos da Aroeira
Embora se possa tratar o elemento patrimonial mais antigo na zona da
Aroeira, o Casal ou Casa da Aroeira, de que restam apenas vestígios na
toponímia local, não foi a única construção antiga que existiu por estas zonas.
Pela análise da Cartografia histórica dos séculos XIX e XX podemos tentar
encontrar nesta zona outros elementos edificados antigos.
Na Carta de 1816, «Carta Topográfica da Península de Setúbal», junto à
escarpa já dentro do Pinhal dos Medos, entre a Descida da Raposa e a Descida
das Vacas, encontramos uma «Casa de Pau», que poderá estar associada à guarda
do referido Pinhal dos Medos, que era coutado.
Na «Carte chorographique des environs de Lisbonne», datada de 1821,
encontramos outros elementos também muito interessantes já citados
anteriormente a propósito do Casal da Aroeira.
Na Carta dos Arredores de Lisboa, de 1904, regista-se nesta zona, no Pinhal
dos Medos, a «Casa da Guarda»; no Pinhal de Valbom, o sítio das «Malhadas»; no
Pinhal da Aroeira, a «Casa da Aroeira»; e já próximo da Fonte da Telha, o
«Posto Fiscal».
O «Quartel do Posto Fiscal da Fonte da Telha» é um projecto simples do
Major de Eng.ª Esteves Pereira datado de 1907 (vid. http://sidcarta.exercito.pt/bibliopac/bibliopac.htm). [2.ª Rev.]
Na Cartografia de 1961, encontramos junto ao cruzamento da Aroeira, a «Casa
do Guarda Fiscal»; junto à Descida da Raposa, o Edifício da 6.ª bateria do
Regimento de Artilharia da Costa (operacional de 1958 a 1998); e ainda próximo
da Fonte da Telha, o Marco Geodésico do «Cabo da Malha», extrema do concelho de
Almada, e cujo topónimo é bastante antigo.
Alguns destes elementos permanecem, de outros já restam vestígios, outros
ainda que desapareceram completamente na urbanização da Aroeira.
(Portão próximo à Casa da Aroeira, com as iniciais B. S.)
Património para o século XXI
Na arquitectura actual o que mais se destaca é sobretudo o Plano da
Urbanização Golfe Aroeira ou Herdade da Aroeira onde pontuam diversos exemplos
de boa arquitectura civil moderna, como por exemplo a Casa da Aroeira, Lote,
180, projecto de 2000-2007, da ARX PORTUGAL, Arquitectos Lda. – Arq.ºs José
Mateus e Nuno Mateus.
Os próprios Campos de Golfe são projectos de autor, neste caso de autores
- Arqtºs Frank Pennink (Campo Aroeira I, inaugurado em 1973) e Donald
Steel (Campo Aroeira II, inaugurado em Abril de 2000) . [ 1.ª Rev.]
(Urbanização Golfe Aroeira - Foto Aérea, Google Maps) [ 1.ª Rev.]
Ao nível dos equipamentos mais recentes, destacamos o edifício do Colégio
do Vale, inaugurado em 21 de Setembro de 1992, e a Escola Básica / Jardim de
Infância da Charneca de Caparica. [ 1.ª Rev.]
(Colégio do Vale - Av. Vale Bem) [ 1.ª Rev.]
(EB 1/JI - Av. Vale Bem) [ 1.ª Rev.]
Inaugurado em 1999, o Edifício "Sonho e Esperança", é sede da
«Associação Almadense Rumo ao Futuro» (A.A.R.F.), IPSS fundada em 1990, e que
apoia jovens e adultos com deficiências intelectuais e multi-deficiências, com
idades a partir dos 16 anos, e compõe-se de um Centro de Actividades
Ocupacionais, na Rua Soeiro Pereira Gomes, 2 – 4, Vale Bem – Marisol, 2820-387
Charneca da Caparica.
(Foto do Edifício "Sonho e Esperança") [1.ª Rev.]
Uma comunidade católica na Aroeira, génese de um novo lugar de culto?
No dia 19 de Junho de 2011 realizou-se na Urbanização de Aroeira / Marisol,
na «Associação Almadense Rumo ao Futuro», uma celebração religiosa da Paróquia
da Charneca, não sei se se tratou da primeira a realizar-se neste zona da
Freguesia da Charneca de Caparica, nem se será a génese de uma possível (?)
nova comunidade cristã que no futuro poderá ganhar corpo num novo espaço
religioso da Freguesia.
Na Paróquia de Charneca da Caparica, existem actualmente dois lugares de
culto com missa regular: a Igreja Paroquial da Imaculada Conceição (edificada
nos anos 60 do século XX), no lugar de Palhais (zona norte); e a Capela de São
José (edificada em 1973 pelo Padre Condor), no lugar das Quintinhas (zona sul).
Se passar a existir missa regularmente na Aroeira, poderá tratar-se da
génese de um terceiro lugar de culto / comunidade católica na Freguesia da
Charneca de Caparica, por isso é importante guardar este dia, 19 de Junho de
2011, como mais uma data que deverá ficar registada na história e património
desta Vila do Concelho de Almada.
RUI M. MENDES
Caparica, 20 de Junho de 2011
Edições e Revisões deste Artigo:
1.ª Ed.: 20/06/2011
1.ª Rev.: 26/06/2011
2.ª Rev.: 17/03/2012
3.ª Rev.: 18/08/2012
3.ª Rev.: 18/08/2012
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